Publicado em 1830, O Vermelho e o Negro é apontado como um dos pioneiros do realismo mundial. Nesta obra-prima, Stendhal nos apresenta Julien Sorel, um humilde carpinteiro cheio de ambições, entre as quais integrar o Exército de Napoleão. Seu sonho, no entanto, cai por terra junto com o império napoleônico. A partir daí, sua luta pela ascensão é impulsionada por um misto de engenhosidade, carisma e hipocrisia, o que de fato faz com que Sorel passe a viver com a burguesia e a aristocracia. Nesse novo mundo, sua vida se transforma em uma torrente impelida pelo amor, pela traição e pelo espírito de vingança.
Deixa eu começar essa resenha contando um pouco da minha adolescência. Quando eu era mais nova não tinha tanto acesso à livros como tenho hoje e a biblioteca municipal ficava bem longe de casa e eu não podia ir com a frequência que eu gostaria, portanto acabei lendo os livros que a biblioteca do colégio tinha. E nem preciso dizer que em sua maioria eram clássicos bem datados, isso foi muito bom pra polir meu gosto literário e me fazer não ter preconceito com leituras assim. Eu disse isso porque este livro foi um desses, mal me lembrava que já tinha lido o vermelho e o negro, e foi delicioso reencontrar a história. Não sabia o peso da obra naquele tempo, mas hoje pude entender o quão valiosa é essa obra junto dos seus questionamentos.
Julien é nosso protagonista, um homem que gosta de causar e que tem um único desejo: subir na escala social. E enquanto o clero e a nobreza estão um pouco bagunçadas, ele sente que conseguirá chegar no topo. Mas, a verdade é que ele odeia a nobreza… mas não consegue deixar de desejar fazer parte dela, lutando pra abandonar suas raízes e chegar mais longe. Se o livro se passasse nos dias atuais, certeza que ele seria youtuber e da família Kardashian.
“Algumas pessoas clarividentes, se há alguma entre esses provincianos, poderiam adivinhar minha fraqueza… mas ninguém a veria.
E ele sentiu-se livre de uma parte de seu infortúnio. Sou um covarde neste momento, repetia-se cantando, mas ninguém o saberá.”
Essa é uma resenha difícil de fazer porque existem tantas nuances que é muita arrogância minha querer falar de forma completa sobre a obra, bom na verdade acredito que cada livro conversa de forma individual com cada pessoa e por isso cada um tem uma experiência única com um mesmo livro. Contudo, meio que me sinto na obrigação de dizer que é uma leitura complicada e que requer um pouco de conhecimento pra um bom entendimento e compreensão do livro ressalto especialmente que é necessário um conhecimento básico da Europa/França pós era Napoleônica (que acabou por volta de 1820). Não estou pagando de cult literária não, e sim dando um aviso pra que ninguém tenha uma experiência não tão boa e culpe o livro que é ótimo. Ahhh, e também não tente ver o livro com seus pontos de vistas modernos, o livro é antigo e está enquadrado naquele momento histórico, porque se você agregar suas ideologias do mundo moderno no contexto do livro a coisa toda não fará nenhum sentido. Pronto, chega de introdução e partiu falar do livro mesmo.
O livro nos mostra um relato de como era subir na vida social durante a Revolução de Julho de 1830 na França usando as duas grandes possibilidades que eram: carreira militar ou clero. E como nosso protagonista temos Julien Sorel, um jovem de origem humilde que anseia por subir na hierarquia social após a queda do Imperador. Vendo que o clero e a nobreza estão perdidos no momento ele usa a politicagem para subir os degraus da sociedade. E é melhor pro leitor não tentar julgar se ele é bom ou mau… porque nesse livro é meio complicado de saber.
“Amei a verdade… Onde está ela?… Em toda parte hipocrisia, ou ao menos charlatanismo, mesmo entre os mais virtuosos, mesmo entre os maiores! e seus lábios adquiriram a expressão do desgosto… Não, o homem não pode confiar no homem.”
Julien é um incompreendido, ele é muito gente como a gente que ama ler e quer gastar o que não tem pra ter tudo que não pode ter porque não tem dinheirinhos. Sua família fica desnorteada com o rapaz que não consegue enxergar a realidade o que por fim torna o sentimento de família em desprezo. Julien não se abate e, assim como seu ídolo Napoleão, começa um planejamento de vida bem minucioso com o final onde ele é poderoso e respeitado. Como os militares não estão em alta ele parte pro clero e segue a carreira da fé, subindo lentamente os degraus usando suas habilidades e aprendendo novas enquanto almeja o topo da pirâmide social. É assim que ele chega em Paris, a grande e fervorosa capital. Enquanto seguimos o Julien vemos os personagens que vão cruzando seu caminho e claramente dá pra ver que é uma sátira das personalidades da época. É sério, dá muito pra ver que independente do posicionamento político ou ideologia religiosa, ou poder aquisitivo, ou classe social todos possuem o mesmo traço comum de podridão, nepotismo e e falta de caráter. E enquanto Julien vai passando por eles acaba pegando um pouco de suas personalidades, e não é como se fossem coisas boas que fossem acrescentar nele algo válido. Não senhores, é só que quanto mais fundo ele conhece o mundo mais ele se torna como os outros e nem é como se ele fosse muito diferente no começo. Mas, a questão que começamos a discutir no livro é: de fato sua vida é definida pelo ‘berço’ onde você nasce. É?
“Que garantia pode ela me dar com seu caráter? Ai! Meu pequeno mérito responde a tudo. Em minha maneiras faltará elegância, meu modo de falar será pesado e monótono. Ó Deus! Por que eu sou eu?”
Julien é um filho de carpinteiro, de uma cidade sem grandes expectativas de vida, mas que almejava algo mais. Isso é algo que todos podem entender, quem não quer algo melhor? Quem não sonha em conquistar o mundo? Contudo, você está disposto a pagar o preço por isso? Enfim, Julien que já não tinha uma família amorosa ou um pai decente decide pagar o preço e dar um passo adiante. Como suas armas ele usa sua inteligência e capacidade de memorizar, e com isso vai subindo os degraus da sociedade e se tem algo que podemos dizer do rapaz é que ele de fato quer muito ascender de posição social. Por querer muito, muito mesmo subir na sociedade ele meio que começa a ver muitas coisas num tom de cinza. O certo e errado meio que tem uns limites frouxos, resumindo ele passa a ser um personagem bem ambíguo. Ele puxa o saco dos mais importante para conseguir favores, já que não possui um bom nascimento precisa compensar com outros pontos. E justamente por ser inferior sente uma necessidade em seduzir as damas bem nascidas para se provar como uma pessoa que vale a pena. Algo como ‘se ela é quer ficar comigo é porque eu sou melhor que os outros caras’. Consigo entender o comportamento, mas isso não deixa de nos provar que ele é bem babaquinha. Especialmente porque é claro o desdém do Julien com a nobreza, MAS o cara faz tudo pra alcançar o status deles. Entendem quando digo que ele é um personagem ambíguo? Só que por mais inteligente que ele seja, por mais esperto que ele seja e por tudo que ele faça, Julien não pode mudar o fato de que ele é filho de um carpinteiro que sequer sabe ler.
“– Pedi ao monsenhor bispo a autorização para afastar-me.
– Como! Não retorna a Besançon? Vai nos deixar para sempre?
– Sim, respondeu Julien num tom resoluto; sim, abandono um lugar onde fui esquecido até por quem mais amei na vida, e abandono-o para não mais revê-lo. Vou a Paris…
– Vais a Paris!, exclamou bastante alto a sra. de Rênal.[…]
– Sim, senhora, deixo-a para sempre, seja feliz. Adeus.”
Julien ama de todo coração e admira Napoleão, que é quem considera como seu pai. Mas, devido ao momento histórico que se encontram ele não pode expor esse seu lado. Se sua admiração for exposta ele pode sofrer muito com a repreensão. É meio que um segredo sujo, mas que podemos ler o quanto ele carrega em si essa sua admiração. Tendo dito tudo isso podemos ter um conclusão bem forte de que Julien vive uma mentira, ele é o ator principal da obra da sua própria vida. Ele não pode ser quem é, ele precisa ser quem os outros gostam pra alcançar o que deseja e eu me pergunto o tempo todo se vale a pena. Numa vida de mentiras mesmo quando você quer ser sincero não dá, especialmente porque ele já tinha ido tão longe que não dava pra voltar atrás. Confesso que acho Julien interessante, mas isso não exonera ele de ser um bom filho da puta em muitas situações. Entre qualquer coisa ou o poder, ele sempre vai escolher o poder e isso é quem ele se tornou. O ponto é que quando ele chega lá, não era bem o que esperava e com esse tipo de vida não tem como ter um bom final. O que acontece com ele é plausível, dá um pouco de pena mas ele só deitou no caixão que ele construiu. Esse é o grande problema de querer muito alguma coisa, o desejo vai te dominando e você vai abrindo mão de todo o resto pra conseguir, você passa tanto tempo querendo aquilo que não percebe que no meio do caminho você mudou e só sobra o desejo de ter aquilo. No caso de Julien não sobrou nada, mas é culpa dele ou da sociedade? Cabe aos que leem decidirem.
“No dia em que entrei aqui, ele respondeu mirando a fronte do abade Pirard, pois não podia suportar seu olhar terrível, eu estava assustado: o sr. Chélan dissera-me que era um lugar cheio de delações e maldades de todo tipo; a espionagem e a denúncia entre colegas são estimuladas. O céu quer assim, para mostrar aos jovens padres a vida tal como ela é, e inspirar-lhes a aversão pelo mundo e suas pompas.”
Enfim, eu gosto do livro e tanto agora quanto antes penso que o Julien é uma pessoa de dar pena. Ele quis tanto escalar socialmente que não pensou onde deveria parar. Ele teve oportunidade de ser ‘feliz’ e subir na escala social com a Senhora de Rênal e a Filha do Marques de La Mole, mas ele não quis ou não pode fazer essas escolhas. Em algum ponto ele já não sabia parar, penso que nem o Julien sabia mais quem era. Tem o questionamento sobre se não é verdade que Julien estava definido no momento que nasceu por ter nascido onde nasceu, e não importava o que ele poderia fazer ele ainda seria aquela mesma pessoa. Pro final do livro temos mais essa viés filosófica, e é interessante perceber tais questionamentos. O fato é que existe uma luta real no livro, porém eu ainda não consigo decidir se o Julien e de fato um babaca arrogante ou um homem capaz de lutar contra a sociedade, não sei. Mas gosto de pensar que ele é os dois. Especialmente pelo final, a libertação e a conclusão me agradam muito com o questionamento da materialidade que culmina na degradação moral das pessoas. Não é um livro com uma história arrebatadora enquanto uma aventura, mas o desenvolvimento de ideias é extraordinário e te faz pensar. É um livro com um contexto rico sobre a realidade da Europa em 1800 e bolinhas. Porém, Vermelho e Negro tem um início lento, mas que fica melhor enquanto se avança na leitura. Com um final interessante este é um livro clássico que vale à pena conhecer. A edição da Nova Fronteira é linda, com capa dura e ilustração maravilhosa. A tradução também é ótima e a edição tem uma qualidade de dar inveja. Se você tiver um tempo, que tal dar uma chance?
Não consigo ler esse tipo de resenha sem lembrar de OS MISERÁVEIS, pois esse foi uma história marcante que marcou minha infância quando assisti esse clássico sendo o protagonista interpretado por Liam Nelson. Quando cresci li algumas adaptações e enfim consegui ler o primeiro volume do original, que apesar de massante com excesso de descrições, se torna lindo pelos valores abordados por um homem que errou roubando, mas que sofreu uma prisão severa demais que em nada contribuiu para uma possibilidade de mudança de vida… Agora pensando em sua resenha, sei bem o que é ler um clássico e concordo com a importância de saber um pouco da parte histórica da época na qual se passa a trama, são nesses momentos que vejo como a nossa educação pública é falha e como faltam bons profissionais e também profissionais mais bem remunerados. A história de Julien realmente não me atriu exatamente por essa falta de caráter do personagem e suas ambições desmedidas. Mas talvez eu leia o livro simplesmente por ele ser um clássico. Beijos
Eu nunca li este clássico. Na minha época da escola, não tinha tantas opções em nossa biblioteca e éramos proibidos de andar em algumas seções. Pois bem, eu gostei do enredo e o que vc disse faz sentido, é preciso entender e conhecer um pouco sobre o período para entender a grandiosidade da história. Esse foi um dos períodos que mais me deu dor de cabeça na hora de estudar nos trabalhos de história hauhauhauhuhauhauhauha
Adorei sua resenha .. e pensei que ele fosse menor.. grandinho o menino livro
Quando eu recebi essa edição da Nova Fronteira, eu fiquei DOIDA, é linda demais e não sei lidar, de verdade. Esse me parece um livro que exige um pouquinho mais de pesquisa a respeito do contexto histórico, sabe? Mas ainda assim me desperta muita vontade de ler, já quero o quanto antes, só preciso me organizar.
Olá!
Apesar de gostar de livros de época, os livros históricos são mais difíceis de me pegar. Fiquei com a impressão de uma leitura bem arrastada e confesso que o tamanho do livro deu uma assustada aqui.
Certamente não é um livro que me atraí pra embarcar na leitura.
Beijos!
Oi Angel, nossa, acho que nunca li nada tão antigo. É incrível como notamos as diferenças em uma leitura nos dias atuais de um livro que lemos a anos, muito mais coisas fazem sentido. Que bom que tu gostou, tua resenha ficou ótima e se um dia tiver a oportunidade, quero muito conhecer a obra.
Bjos
Vivi
http://duaslivreiras.blogspot.com/
Não conhecia o livro e pelo visto Julian é um personagem que acaba se perdendo de si mesmo. Muito triste isso.
Bjs, Rose
Olá, tudo bem?
Eu gosto muito de livros complexos assim e fiquei muito curiosa para ler esse livro. Eu confesso que, mesmo sem ler, meio que sinto pena do Julien. Não sei se o sentimento será o mesmo, quando eu ler.
Adorei suas impressões!
Beijos
Ual! Eu ainda não conhecia esse livro, como pode isso?!!! Eu gostei muito da tua resenha e de poder ver um pouco sobre a obra. Eu quero muito ler. Adorei o enredo e você me deixou bem curiosa.
Olá, esse é um clássico que tenho vontade de ler. Gostei muito de saber um pouco sobre a história pela sua resenha. Pelo visto o personagem principal é bem interessante, com essa vontade de subir na sociedade e sem muitos limites.
Olá! Nunca tinha ouvido falar desse livro. Apesar de amar história e livros que contenham fatos históricos, este não me chamou tanta atenção a ponto de eu acrescentá-lo na minha lista de desejados. Mas adorei sua resenha.
Abraços
Esse é o tipo de livro clássico que a gente tem que degustar aos poucos, mesmo porque ele pode demorar para fluir. Mas quando começa a fluir, do nada ele acaba. Gostei muito do seu ponto de vista. O título do livro não me era estranho, mas eu nunca tinha lido sobre o que se tratava. Achei bem bacana e mesmo uma boa opção para sair da zona de conforto dos livros mais atuais.
bjs
Lucy – Por essas páginas
A sua resenha completa nos dá a dimensão do que esperar. Tanto romance histórico quanto o de época me encantam, então vou colocar este na minha lista para verificar se o Julien é o babaca arrogante ou o homem que lutará contra uma sociedade.
Bjo
Tânia Bueno
Adoro realismo, mas, infelizmente, não recordo desse livro (vergonha). ‘ também não tente ver o livro com seus pontos de vistas modernos, o livro é antigo e está enquadrado naquele momento histórico’ excelente pontuação, alguns leitores e blogueiros fazem isso é um pouco perturbador. Adorei essa resenha e tenha certeza que necessito desse livro.
Olá
Eu não me lembro se já ouvi sobre esse livro, mais ele me parece ser bem interessante. Vou anotar a dica para ver se eu eu leio
Oi Angel, sua linda, tudo bem?
Eu gosto muito de história e por isso mesmo sou apaixonada por romances épicos e ou históricos. Assim, a dica é bem a minha cara. E vamos combinar, os clássicos são incomparáveis. O que mais chamou minha atenção foi o drama vivido pelo personagem, ele buscou tanto a glória e o sucesso, abrindo mão de quem era, que no fim se perdeu. Não vale a pena. Vou colocar o livro na minha lista. Sua resenha ficou ótima!!!!!
beijinhos.
cila.
http://cantinhoparaleitura.blogspot.com/
Olá, tudo bem? Ah que legal você já ter o lido na infância. Com certeza dá para comparar o que você sentiu na época e agora. Confesso que clássicos não são muito meu estilo não por preconceito, mas pelos enredos dificilmente me chamarem atenção. Quero, quem sabe, um dia ter um maior engajamento no tema, mas no momento não tenho oportunidade. Ótima resenha!
Beijos,
http://diariasleituras.blogspot.com.br
Olá tudo bem? Gostei muito da sua resenha, é engraçado como uma leitura pode ter um impacto diferente de acordo com nossas fases da vida..
Confesso que nao conhecia esse classico mas fiquei com muita vontade de entender o protagonista e o cenario histórico do livro, com certeza será uma leitura que farei! Obrigada lela dica e excelente resenha!
Beijos
Oi Angel!
Na minha infância eu frequentava muito mais a escola, do que as outras crianças, sempre ia no horário oposto da aula, para a biblioteca, e acabei lendo tudo que tinha de infantil e entrando em algumas leituras que não eram para minha idade, mas nunca li O Vermelho e o Negro.
Fiquei apaixonada pela edição e amei ler tua resenha. Apesar de ser um tipo de leitura um pouco mais complexa, é um estilo que amo.
Parabéns pela tua resenha!
Espero conseguir ler em breve.
Beijo